terça-feira, 2 de junho de 2020

W. H. Auden (1907-1973)

FUNERAL BLUES
W. H. Auden

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead,
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever: I was wrong.

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.

CANTO FÚNEBRE
W. H. Auden

Parem os relógios, cortem o telefone,
impeçam o cão de latir com um osso suculento,
silenciem os pianos e, ao som de um tambor surdo,
tragam o caixão; deixem entrar carpideiras.

Deixem os aviões circular em pranto
escrevendo no céu a mensagem Ele morreu,
ponham gravatas de crepe nos pescoços brancos dos pombos,
deixem os guardas de trânsito usar luvas pretas de algodão.

Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,
minha semana de trabalho e meu descanso de domingo,
meu meio-dia, minha meia-noite, minha fala, minha canção;
acreditei que o amor durasse para sempre: eu estava errado.

Não quero ver as estrelas agora: apaguem todas;
embrulhem a lua e desmontem o sol;
despejem o mar e varram as florestas,
porque tudo de repente perdeu todo o sentido.

Tradução Thereza Christina Rocque da Motta


Alfred, Lord Tennyson (1809-1892)

THE DYING SWAN (1830)
Alfred, Lord Tennyson


1
The plain was grassy, wild and bare,
Wide, wild, and open to the air,
Which had built up everywhere
An under-roof of doleful gray.
With an inner voice the river ran,
Adown it floated a dying swan,
And loudly did lament.
It was the middle of the day.
Ever the weary wind went on,
And took the reed-tops as it went.


2
Some blue peaks in the distance rose,
And white against the cold-white sky,
Shone out their crowning snows.
One willow over the water wept,
And shook the wave as the wind did sigh;
Above in the wind was the swallow,
Chasing itself at its own wild will,
And far thro' the marish green and still
The tangled water-courses slept,
Shot over with purple, and green, and yellow.


3
The wild swan's death-hymn took the soul
Of that waste place with joy
Hidden in sorrow: at first to the ear
The warble was low, and full and clear;
And floating about the under-sky,
Prevailing in weakness, the coronach stole
Sometimes afar, and sometimes anear;
But anon her awful jubilant voice,
With a music strange and manifold,
Flow'd forth on a carol free and bold;
As when a mighty people rejoice
With shawms, and with cymbals, and harps of gold,
And the tumult of their acclaim is roll'd
Thro' the open gates of the city afar,
To the shepherd who watcheth the evening star.
And the creeping mosses and clambering weeds,
And the willow-branches hoar and dank,
And the wavy swell of the soughing reeds,
And the wave-worn horns of the echoing bank,
And the silvery marish-flowers that throng
The desolate creeks and pools among,
Were flooded over with eddying song.


A MORTE DO CISNE (1830)
Alfred, Lord Tennyson


1
A planície estava vazia, relvosa e selvagem, 
Ampla, virgem, e aberta ao céu,
Espalhando por toda parte
Um gramado cinza escuro.
O rio corria com sua voz soturna,
Por ele, flutuava um cisne moribundo,
E ele bradava seu lamento.
O dia já ia pelo meio.
O vento triste continuava soprando,
E sacudia o alto das árvores ao passar.


2
Os cumes azuis elevavam-se à distância,
E brancos contra o céu pálido e frio
Brilhavam seus topos coroados de neve.
O salgueiro chorava à beira d’água,
E agitava as ondas enquanto o vento suspirava;
Acima do vento estava a andorinha,
Arremetendo contra o vento,
E longe através do pântano verde e imóvel
Dormiam os riachos emaranhados,
Cobertos de tufos lilases, verdes e amarelos.


3
O canto de morte do cisne selvagem tomou a alma
Daquele lugar deserto com uma alegria
Escondida na tristeza: a princípio para o ouvido
O trinado soava baixo, cheio e claro;
E flutuando sob o céu,
Cedendo à fraqueza, o canto fúnebre seguia,
Por vezes, longe, por vezes, perto;
Mas logo sua terrível voz, cheia de júbilo,
Com uma música múltipla e estranha,
Fluía sua canção livre e intrépida;
Assim como um povo forte se rejubila
Com charamelas, címbalos e harpas de ouro,
E o tumulto de seu clamor se desenrola
Pelos portões abertos da cidade distante,
Para o pastor que vê a estrela vespertina.
E os musgos rasteiros e as ervas trepadeiras,
E os galhos dos chorões brancos e úmidos,
E o movimento ondulante dos juncos murmurantes,
E os chifres gastos nas ondas às margens ressonantes,
E as flores prateadas dos pântanos que se espalham
Nos riachos e lagos desolados,
Foram inundados com esse canto em torvelinho.


Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta



quarta-feira, 20 de maio de 2020

William Shakespeare (1564-1616) Ricardo III

RICARDO III (WILLIAM SHAKESPEARE)

ATO PRIMEIRO
CENA PRIMEIRA: Uma rua de Londres
Entra Ricardo, Duque de Gloucester, sozinho

GLOUCESTER:
Eis o inverno do nosso descontentamento
Que ressurge como um verão glorioso sob este sol de York;
E todas as nuvens que pesavam sobre nossa casa
Jazem sepultas nas profundezas do oceano.
Eis que nossas frontes estão cingidas pelos louros da vitória;
Nossos braços feridos pendurados para os monumentos;
Nossos aturdidos alarmes hoje são festivas reuniões,
Nossas terríveis marchas são deliciosas danças.
A guerra sombria suavizou sua fronte enrugada;
E, agora, em vez de montar corcéis armados
Para aterrorizar as almas de temíveis adversários,
Escala agilmente até o quarto de uma dama
Para o prazer lascivo ao som de um alaúde.
Mas, eu, que não sou afeito a truques esportivos,
Nem para cortejar uma parceira amorosa;
Eu, que sou grosseiro, e sem a majestade do amor
Para pavonear-me diante de uma idílica ninfa;
Eu, privado de belas proporções,
Desprovido de qualquer encanto pela pérfida natureza,
Deformado, inacabado, nascido prematuro
Neste mundo dos vivos, malfeito e incompleto,
E tão claudicante e sem jeito,
Que os cães ladram quando me aproximo;
Pois, eu, nesse fraco interregno de paz,
Não tenho prazer em meus passatempos,
A não ser ver minha sombra ao sol
E descrever minha própria deformidade:
E, portanto, como não posso me provar amoroso,
Para entreter estes belos e famosos dias,
Determinei-me que serei um vilão
E odiar os prazeres ociosos desses tempos.
Conspirei, fiz induções perigosas,
Absurdas profecias, difamações e sonhos,
Para lançar meu irmão Clarence e o rei
Um contra o outro, em ódio mortal:
E se o rei Edward for tão verdadeiro e justo
Quanto sou sutil, falso e traiçoeiro,
Hoje Clarence deverá ser feito prisioneiro,
Graças a uma profecia, que diz que ‘G’
Será o assassino dos herdeiros de Edward.

Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta


quinta-feira, 23 de abril de 2020

William Shakespeare (1564-1616) Puck

Puck:

Se, nós, sombras, vos ofendemos,
Considerai este fato, e tudo se explicará,
Que vós apenas adormecestes,
Enquanto estas visões se sucederam.
E este fraco e inútil tema,
Que não passou senão de um sonho,
Gentis espectadores, não nos censureis.
Se nos perdoais, nos corrigiremos.
E, por ser Puck honesto,
Se merecermos a sorte
De escapar da língua viperina,
Faremos o melhor que pudermos,
Senão Puck terá mentido.
Então, boa noite a todos,
Dai-me vossas mãos, se fordes amigos,
E o pintarroxo o fará por nós.
(Sai.)

William Shakespeare, "Sonho de uma noite de verão", Ato V, Cena 1 (final). Tradução de Thereza Rocque da Motta



sábado, 14 de março de 2020

Celso de Alencar (1949- )

POEM FOR SONNY PERDUE
Celso de Alencar

I beg You, Lord,
Before expelling from your land
Those who look for shelter where
The deer still runs through the forest,
You, whose ancestors
Came from far away places;
I beg You, ask the children
Of the United States of America.
Ask the Apaches, the Creeks, the Navajos,
The Cherokees, the Sioux, the Comanches.
Ask the children
Of the African slaves,
And also, Lord, the children of the immigrants,
Those, who, like You, have built the Peach Land.
Allow all to reach the Mississippi,
All to bathe in the waters
Of the Altamaha or the Chattahoochee and more:
That all be tall as the pine trees.
Life is a fragile bird
And sometimes it is as old as a beaver.
My back is bare
As well as my soul.
To the right, my eyes behold the Brassmount,
To the left, the tombs in the cemeteries.
I beg You, Lord, don’t wipe off
The dreams of those who yearn for freedom.

in "Perverse Poems"
Translation: Thereza Christina Rocque da Motta

POEMA PARA SONNY PERDUE
Celso de Alencar

Eu Vos peço, Senhor,
antes de excluir de Vossa terra
aqueles que buscam abrigo onde
os veados ainda correm na floresta,
Vós que tendes como ancestrais
povos vindos de lugares longínquos;
consultai, eu Vos peço, os filhos
dos Estados Unidos da América.
Consultai os Apaches, os Creek, os Navajos,
os Cherokees, os Sioux, os Comanches.
Consultai ainda os filhos
dos escravos africanos,
e também, Senhor, os filhos dos emigrantes,
aqueles que como Vós construíram a Terra do Pêssego.
Permiti que todos alcancem o Mississipi,
que todos adentrem as águas
do Altamaha ou as do Chattahoochee e mais:
que todos possam ser altos como os pinheiros.
A vida é um pássaro frágil
e às vezes tem a idade de um castor.
Meu dorso está nu
assim como a minha alma.
À direita meus olhos veem o Brassmount,
à esquerda, os cemitérios deitados no chão.
Eu Vos peço, não eliminai, Senhor,
o sonho daqueles que a liberdade buscam.

in "Poemas Perversos"



sexta-feira, 13 de março de 2020

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Elegy 1938
Carlos Drummond de Andrade

You work unhappily for an obsolete world
Where the form and actions contain no examples.
You practice laboriously universal gestures,
You feel heat and cold, lack of money, hunger and sexual desire.

Heroes fill the city parks where you drag,
And profess virtue, resignation, cold blood, conception.
At night, if there’s fog, they open their brass umbrellas
Or retire to books of sinister libraries.

You love the night for the power of annihilation it contains
And you know that, sleeping, problems spare you from dying.
But the terrible awakening proves the existence of the Big Machine
And restores you, little one, before inscrutable palm trees.

You walk among the dead and you talk to them
About things of the future and concerns of the spirit.
Literature spoiled your best love hours.
At the telephone you lost too much time for seeding.

Proud at heart, you hurry to confess your failure
And defer the collective happiness to another century.
You accept rain, war, unemployment and unequal distribution
Because you can’t, all alone, dynamite the island of Manhattan.

Translation: Thereza Christina Rocque da Motta

Elegia 1938
Carlos Drummond de Andrade

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze,
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição,
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

in Sentimento do mundo (1940)



sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Elizabeth Bishop (1911-1979)


O LADRÃO DA BABILÔNIA

Nas verdes encostas do Rio
Cresce uma mancha terrível:
Os pobres que vêm para o Rio
E não podem voltar para casa.

Nas montanhas um milhão de pessoas,
Um milhão de pássaros fazem seus ninhos,
Como uma confusa migração
Que chega até ali e pousa,

Construindo seus ninhos, ou casas,
Que tiram do nada, ou do ar.
Pensamos que um vento os sopraria,
De tal forma que estão ali pousados.

Mas se agarram e se espalham como líquens,
E não param de chegar.
Há uma favela chamada Pinto,
E outra chamada Catacumba;

Há a favela do Querosene,
E a favela do Esqueleto,
E a favela do Pasmado,
E a favela da Babilônia.

Micuçú era ladrão e assassino,
Um inimigo da sociedade.
Ele fugira três vezes
Da pior penitenciária.

Não sabem quantos ele matou
(embora digam que nunca tenha estuprado),
E feriu dois policiais
Da última vez que escapou.

Disseram: “Ele vai ver a tia,
Que o criou como um filho.
Ela tem um barzinho
No alto do morro da Babilônia.

Ele foi direto ver a tia,
E bebeu a última cerveja.
Disse a ela: “Os polícia tão vindo,
E eu tenho que sumir”.

“Me deram noventa anos de cana.
Quem quer viver tanto tempo?
Prefiro noventa horas
No morro da Babilônia.

“Não diga a ninguém que me viu.
Vou correr até quando puder.
Tu foi boa pra mim e eu te amo,
Mas estou condenado”.

Ao sair, encontrou uma mulata
Carregando uma lata d’água na cabeça.
“Se disser que me viu, filha,
Tu tá morta”.

Há cavernas lá em cima, e esconderijos,
E um antigo forte, em ruínas.
Costumavam vigiar os franceses
Do morro da Babilônia.

Embaixo estava o mar.
No horizonte tocava o céu,
Liso como um muro, e por ele
Passavam navios de carga,

Ou seguiam em frente,
Até parecerem mosquitos,
E então caíam para o outro lado e sumiam;
E ele sabia que iria morrer.

Ele podia ouvir os bodes fazendo béee-béee,
Ele podia ouvir os bebês chorando;
As pipas voavam bem lá no alto;
E ele sabia que iria morrer.

Um urubu passou tão perto dele
Que pôde ver seu pescoço pelado.
Ele agitou os braços e gritou:
“Ainda não, meu filho, ainda não!”

Um helicóptero do Exército
Sobrevoava em círculos para todo lado.
Ele pôde ver dois homens dentro dele,
Mas não o viram.

Havia policiais por toda parte,
Dos dois lados do morro,
E na linha do horizonte
Havia uma fileira deles, parados e pequenos.

As crianças espiavam pelas janelas,
E os homens no bar xingavam,
E cuspiam um pouco de cachaça
Nos buracos do chão.

Mas os policiais estavam nervosos,
Mesmo armados até os dentes,
E um deles, em pânico,
Atirou no oficial em comando.

Ele o atingiu em três lugares;
Os outros tiros se perderam.
O policial ficou histérico
E chorava como uma criança.

O moribundo disse: “Acabem
Com o que viemos fazer aqui”.
Encomendou sua alma a Deus
E seus filhos ao Governador.

Correram e trouxeram um padre,
E ele morreu acreditando que ia para o Céu
– um homem de Pernambuco,
O mais novo de onze filhos.

Queriam parar a busca,
Mas o Exército disse: “Não, vão em frente”,
Então os policiais se espalharam de novo
Subindo o morro da Babilônia.

Os ricos nos apartamentos
Observavam com binóculos
Enquanto durasse o dia.
E a noite toda, sob as estrelas,

Micuçú se escondeu no capim,
Ou sentou-se debaixo de um arbusto,
Ouvindo os barulhos, e olhando
O farol em alto-mar.

E o farol olhava-o de volta,
Até finalmente amanhecer.
Estava molhado de orvalho e faminto
No morro da Babilônia.

O sol amarelo brilhava horrível
Como um ovo cru num prato –
Lambido pelo mar. Ele o amaldiçoou,
Por saber que isso selaria sua sorte.

Viu as longas praias brancas
E todos indo nadar,
Com toalhas e guarda-sóis,
Mas os policiais estavam em seu encalço.

Bem lá embaixo, as pessoas
Eram pontinhos coloridos,
E as cabeças dos nadadores
Pareciam cocos na água.

Ele ouviu o vendedor de amendoim
Apitar peep-peep seu apito,
E o vendedor de guarda-chuvas
Tocar sua matraca de vigia.

Mulheres com cestas de compras
Ficavam de pé nas esquinas conversando,
Depois seguiam para o mercado,
Olhando para cima enquanto andavam.

Os ricos com seus binóculos
Haviam voltado, e muitos
Estavam nos telhados,
Entre antenas de TV.

Era cedo, oito ou oito e meia.
Ele viu um policial subindo,
Olhando direto para ele. Atirou,
E errou pela última vez.

Ele pôde ouvir o policial arfando,
Embora não tenha se aproximado.
Micuçú se escondeu,
Mas foi atingido, por trás da orelha.

Ele ouviu os bebês chorando
Longe, longe dentro da cabeça,
E os cães latindo e latindo.
Então Micuçú morreu.

Ele tinha um Taurus,
E apenas a roupa do corpo,
Dois contos nos bolsos,
No morro da Babilônia.

A polícia e a população
Soltaram um suspiro de alívio,
Mas por trás do balcão sua tia
Secou os olhos de tristeza.

“Sempre fomos respeitados.
Minha loja é honesta e limpa.
Eu o amava, mas desde criança
Micuçú era ruim.

“Sempre fomos respeitados.
A irmã tem um emprego.
Nós duas lhe dávamos dinheiro.
Por que ele tinha que roubar?

“Eu o criei para ser honesto,
Mesmo aqui, na favela da Babilônia”.
Os fregueses beberam de novo,
Com ar sério e sombrio.

Mas um deles disse para o outro,
Ao sair porta afora:
“Ele era um ladrão de nada,
Foi preso seis vezes – ou mais”.

Esta manhã os policiais
Retornaram ao morro da Babilônia;
Seus revólveres e capacetes
Brilhando sob a chuva.

Micuçú já está enterrado.
Estão caçando outros dois,
Mas dizem que não são tão perigosos
Quanto o pobre Micuçú.

Nas verdes encostas do Rio
Cresce uma mancha terrível:
Os pobres que vêm para o Rio
E não podem voltar para casa.

Há a favela do Querosene,
E a favela do Esqueleto,
E a favela do Pasmado,
E a favela da Babilônia.


Elizabeth Bishop, The Complete Poems (1927-1979)
Nova York, Farrar, Straus & Giroux, 1983. p. 112-118.

Nota: Em inglês, ela chama a favela do Pinto e a do Esqueleto de "morro" (hill), quando não são. Por isso preferi chamar todas de favela, mesmo que ficassem num morro.
Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta