sexta-feira, 13 de março de 2020

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Elegy 1938
Carlos Drummond de Andrade

You work unhappily for an obsolete world
Where the form and actions contain no examples.
You practice laboriously universal gestures,
You feel heat and cold, lack of money, hunger and sexual desire.

Heroes fill the city parks where you drag,
And profess virtue, resignation, cold blood, conception.
At night, if there’s fog, they open their brass umbrellas
Or retire to books of sinister libraries.

You love the night for the power of annihilation it contains
And you know that, sleeping, problems spare you from dying.
But the terrible awakening proves the existence of the Big Machine
And restores you, little one, before inscrutable palm trees.

You walk among the dead and you talk to them
About things of the future and concerns of the spirit.
Literature spoiled your best love hours.
At the telephone you lost too much time for seeding.

Proud at heart, you hurry to confess your failure
And defer the collective happiness to another century.
You accept rain, war, unemployment and unequal distribution
Because you can’t, all alone, dynamite the island of Manhattan.

Translation: Thereza Christina Rocque da Motta

Elegia 1938
Carlos Drummond de Andrade

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze,
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição,
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

in Sentimento do mundo (1940)



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