O
LADRÃO DA BABILÔNIA
Nas verdes encostas do Rio
Cresce
uma mancha terrível:
Os
pobres que vêm para o Rio
E não
podem voltar para casa.
Nas
montanhas um milhão de pessoas,
Um
milhão de pássaros fazem seus ninhos,
Como
uma confusa migração
Que
chega até ali e pousa,
Construindo
seus ninhos, ou casas,
Que
tiram do nada, ou do ar.
Pensamos
que um vento os sopraria,
De
tal forma que estão ali pousados.
Mas
se agarram e se espalham como líquens,
E
não param de chegar.
Há
uma favela chamada Pinto,
E
outra chamada Catacumba;
Há
a favela do Querosene,
E a
favela do Esqueleto,
E a
favela do Pasmado,
E a
favela da Babilônia.
Micuçú era ladrão e assassino,
Um
inimigo da sociedade.
Ele
fugira três vezes
Da
pior penitenciária.
Não sabem quantos ele matou
(embora
digam que nunca tenha estuprado),
E feriu
dois policiais
Da
última vez que escapou.
Disseram: “Ele vai ver a tia,
Que
o criou como um filho.
Ela
tem um barzinho
No
alto do morro da Babilônia.
Ele
foi direto ver a tia,
E bebeu
a última cerveja.
Disse
a ela: “Os polícia tão vindo,
E
eu tenho que sumir”.
“Me deram noventa anos de cana.
Quem
quer viver tanto tempo?
Prefiro
noventa horas
No
morro da Babilônia.
“Não diga a ninguém que me viu.
Vou
correr até quando puder.
Tu
foi boa pra mim e eu te amo,
Mas
estou condenado”.
Ao
sair, encontrou uma mulata
Carregando
uma lata d’água na cabeça.
“Se
disser que me viu, filha,
Tu
tá morta”.
Há
cavernas lá em cima, e esconderijos,
E um
antigo forte, em ruínas.
Costumavam
vigiar os franceses
Do
morro da Babilônia.
Embaixo
estava o mar.
No
horizonte tocava o céu,
Liso
como um muro, e por ele
Passavam
navios de carga,
Ou
seguiam em frente,
Até
parecerem mosquitos,
E então
caíam para o outro lado e sumiam;
E ele
sabia que iria morrer.
Ele
podia ouvir os bodes fazendo béee-béee,
Ele
podia ouvir os bebês chorando;
As
pipas voavam bem lá no alto;
E ele
sabia que iria morrer.
Um
urubu passou tão perto dele
Que
pôde ver seu pescoço pelado.
Ele
agitou os braços e gritou:
“Ainda
não, meu filho, ainda não!”
Um
helicóptero do Exército
Sobrevoava
em círculos para todo lado.
Ele
pôde ver dois homens dentro dele,
Mas
não o viram.
Havia
policiais por toda parte,
Dos
dois lados do morro,
E na
linha do horizonte
Havia
uma fileira deles, parados e pequenos.
As
crianças espiavam pelas janelas,
E os
homens no bar xingavam,
E cuspiam
um pouco de cachaça
Nos
buracos do chão.
Mas
os policiais estavam nervosos,
Mesmo
armados até os dentes,
E um
deles, em pânico,
Atirou
no oficial em comando.
Ele
o atingiu em três lugares;
Os
outros tiros se perderam.
O policial
ficou histérico
E chorava
como uma criança.
O moribundo
disse: “Acabem
Com
o que viemos fazer aqui”.
Encomendou
sua alma a Deus
E seus
filhos ao Governador.
Correram
e trouxeram um padre,
E ele
morreu acreditando que ia para o Céu
–
um homem de Pernambuco,
O mais
novo de onze filhos.
Queriam
parar a busca,
Mas
o Exército disse: “Não, vão em frente”,
Então
os policiais se espalharam de novo
Subindo
o morro da Babilônia.
Os
ricos nos apartamentos
Observavam
com binóculos
Enquanto
durasse o dia.
E a
noite toda, sob as estrelas,
Micuçú
se escondeu no capim,
Ou
sentou-se debaixo de um arbusto,
Ouvindo
os barulhos, e olhando
O farol
em alto-mar.
E o
farol olhava-o de volta,
Até
finalmente amanhecer.
Estava
molhado de orvalho e faminto
No
morro da Babilônia.
O sol
amarelo brilhava horrível
Como
um ovo cru num prato –
Lambido
pelo mar. Ele o amaldiçoou,
Por
saber que isso selaria sua sorte.
Viu
as longas praias brancas
E todos
indo nadar,
Com
toalhas e guarda-sóis,
Mas
os policiais estavam em seu encalço.
Bem
lá embaixo, as pessoas
Eram
pontinhos coloridos,
E as
cabeças dos nadadores
Pareciam
cocos na água.
Ele
ouviu o vendedor de amendoim
Apitar
peep-peep seu apito,
E o
vendedor de guarda-chuvas
Tocar
sua matraca de vigia.
Mulheres
com cestas de compras
Ficavam
de pé nas esquinas conversando,
Depois
seguiam para o mercado,
Olhando
para cima enquanto andavam.
Os
ricos com seus binóculos
Haviam
voltado, e muitos
Estavam
nos telhados,
Entre
antenas de TV.
Era
cedo, oito ou oito e meia.
Ele
viu um policial subindo,
Olhando
direto para ele. Atirou,
E errou
pela última vez.
Ele pôde ouvir o policial arfando,
Embora
não tenha se aproximado.
Micuçú
se escondeu,
Mas
foi atingido, por trás da orelha.
Ele ouviu os bebês chorando
Longe,
longe dentro da cabeça,
E os
cães latindo e latindo.
Então
Micuçú morreu.
Ele tinha um Taurus,
E apenas
a roupa do corpo,
Dois
contos nos bolsos,
No
morro da Babilônia.
A
polícia e a população
Soltaram
um suspiro de alívio,
Mas
por trás do balcão sua tia
Secou
os olhos de tristeza.
“Sempre fomos respeitados.
Minha
loja é honesta e limpa.
Eu
o amava, mas desde criança
Micuçú
era ruim.
“Sempre
fomos respeitados.
A irmã
tem um emprego.
Nós
duas lhe dávamos dinheiro.
Por
que ele tinha que roubar?
“Eu
o criei para ser honesto,
Mesmo
aqui, na favela da Babilônia”.
Os
fregueses beberam de novo,
Com
ar sério e sombrio.
Mas
um deles disse para o outro,
Ao
sair porta afora:
“Ele
era um ladrão de nada,
Foi preso seis vezes – ou mais”.
Esta
manhã os policiais
Retornaram
ao morro da Babilônia;
Seus
revólveres e capacetes
Brilhando
sob a chuva.
Micuçú já está enterrado.
Estão
caçando outros dois,
Mas
dizem que não são tão perigosos
Quanto
o pobre Micuçú.
Nas
verdes encostas do Rio
Cresce
uma mancha terrível:
Os
pobres que vêm para o Rio
E não
podem voltar para casa.
Há a favela do Querosene,
E a
favela do Esqueleto,
E a
favela do Pasmado,
E a
favela da Babilônia.
Elizabeth
Bishop, The Complete Poems (1927-1979)
Nova
York, Farrar, Straus & Giroux, 1983. p. 112-118.
Nota:
Em inglês, ela chama a favela do Pinto e a do Esqueleto de "morro"
(hill), quando não são. Por isso preferi chamar todas de favela, mesmo que
ficassem num morro.
Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta
Nenhum comentário:
Postar um comentário