terça-feira, 8 de setembro de 2009

ROMEU E JULIETA - CENA DO BALCÃO

(William Shakespeare, 1564-1616)

ATO II
CENA II. JARDIM DOS CAPULETO

Entra ROMEU.

ROMEU
Zomba das 
chagas aquele que nunca foi ferido.

JULIETA aparece acima na janela.

ROMEU
Silêncio! Que luz é essa que surge da janela?
É o Oriente e Julieta é o sol!
Levanta, belo sol e mata a lua de inveja,
deixa-a doente e lívida de tristeza,
ao ver que a serva é mais bela do que ela:
Não, não é sua serva, pois dela morre de inveja;
as roupas de vestal são pálidas e débeis
e somente os tolos as vestem; lancem-nas fora...
Ela é minha dama, ah, é o meu amor!
Ah, se apenas ela soubesse!
Ela murmura, embora sem dizer nada, vejam só!
Seus olhos discursam; vou responder-lhes...
Ah, que ousadia! Não estão falando comigo:
duas das mais belas estrelas em todo o céu,
tão ocupadas, entretidas consigo mesmas,
esperando que o brilho seus olhos volte a elas.
E se seus olhos estivessem no céu e as estrelas em seu rosto?
O brilho de sua face mataria as estrelas de vergonha,
como a luz do dia faz com que a lâmpada se apague; 
seus olhos no céu fulgiriam com tal força no alto,
que os pássaros cantariam pensando que a noite terminou.
Vê como ela apoia o rosto em sua mão!
Ah, se eu pudesse ser a luva que veste essa mão,
só para poder tocar esse rosto!

JULIETA
Ai, ai!

ROMEU
 

Ela fala: ah, fala novamente, anjo de luz! Pois és
tão gloriosa nesta noite, acima de minha cabeça,
como um mensageiro alado dos céus
para os olhos arregalados
dos 
mortais que se elevam para contemplá-lo 

quando ele afasta as lentas nuvens
e veleja
 no ar.

JULIETA
Ó Romeu, Romeu! 
Por que és Romeu?
Nega 
teu pai e recusa teu nome; 

ou, senão, jura apenas o teu amor,
e deixarei de ser uma Capuleto.

ROMEU
[Para o 
lado] Devo ouvir mais, ou devo responder?

JULIETA
És meu inimigo apenas no teu nome;
 

Tu és tu mesmo, não um Montecchio.
que é Montecchio? Não é a mão, nem o , 

Nem o braço, nem o rosto, nem nenhuma outra parte
do corpo de 
um homem. Ó, sê outro nome!
que há em um nome? Aquilo a que chamamos rosa
com 
qualquer outro nome, seu perfume também seria doce;
então, Romeu, se 
não se chamasse Romeu,
reteria a 
adorável perfeição que possui sem essa denominação. 

Romeu, deixa teu nome,
e, 
em troca desse nome, que não pertence a nenhuma parte de ti,
toma-me 
inteira.

ROMEU
 

Eu te tomo, como dizes:
chama-me apenas a
mor e serei novamente batizado;
partir de hoje não me chamarei mais Romeu.

JULIETA
 

Que homem és tu, que sob o manto da noite
desvendas meus segredos?

ROMEU
 

Pelo nome, eu não sei como dizer-te quem eu sou: 
Meu nome, querida santa, é odioso para mim, 
porque é um inimigo para ti;
se 
eu o tivesse escrito, eu rasgaria o papel.

JULIETA

Meus ouvidos ainda não beberam nem uma centena de palavras
proferidas por tua 
língua, embora eu conheça o som: 

não és Romeu e um Montecchio?

ROMEU

Nenhum deles, querida santa, se ambos te desagradem.

JULIETA
 

Como vieste até aqui, dize-me e por quê?
Os 
muros do pomar são altos e difíceis de subir,
e o lugar, 
mortal, por seres quem és,
e se 
um dos meus parentes te encontrar aqui...

ROMEU
 

Com as leves asas do amor escalei estes muros;
pois os limites de pedra não detêm o amor,
e o 
que o amor pode fazer, ele arrisca; 

assim teus parentes não são empecilho para mim.

JULIETA
Se 
eles te virem, estarás morto.

ROMEU
Quem dera, há 
mais perigo em teus olhos
do 
que em vinte de suas espadas

olha-me apenas com doçura, 
para continuar protegido contra essa inimizade.

JULIETA
Por nada deste mundo quero que 
te vejam aqui.

ROMEU
Tenho o manto da noite para me proteger;
mas se não me amas, deixa que me encontrem:
melhor que minha vida termine com esse ódio,
do que viver ansiando pelo teu amor.


JULIETA

Quem que lhe indicou como chegar a este lugar?

ROMEU

Foi o amor, que me fez perguntar por ele.
Ele me aconselhou, e dei-lhe meus olhos, 
Não sou um marinheiro; embora se estivesses tão longe
quanto a costa onde se debate o mar longínquo,
eu o atravessaria para alcançar-te. 

JULIETA

Tu me amas? Sei que dirá que "Sim",
e acreditarei no que dizes. Embora, se jurasses, 
poderás jurar em vão. Ao ouvir os perjúrios dos amantes,
dizem que Júpiter se ri. Ó gentil Romeu, 
se me amas, seja sincero. 
Ou, se pensas que posso ser facilmente conquistada, 
ficarei séria, serei má e te negarei. 
Então me seduzirás, como a única coisa neste mundo.
Na verdade, belo Montecchio, gosto demais de ti,
e por isso podes crer que meu comportamento seja leviano.
Mas crê em mim, cavalheiro, serei mais verdadeira 
do que aquelas que se fazem de pudicas.
Eu deveria ter sido mais recatada, eu confesso,
mas o que me ouviu dizer sem eu saber
revelou minha real paixão. Assim, perdoa-me,
e não repute esse desabafo a um amor leviano,
que a escuridão da noite revelou. 

ROMEU

Senhora, pela longínqua e abençoada lua, eu juro,
que pinta de prata os cumes dessas árvores frutíferas...

JULIETA

Ó, não jures pela lua, a inconstante lua,
que todo mês se altera em sua órbita circular,
a menos que teu amor seja tão inconstante quanto ela. 

ROMEU

Pelo que devo jurar? 

JULIETA

Não jures de modo nenhum. 
Ou, se quiseres, jura pelo teu ser gracioso, 
que é o deus da minha idolatria,
e acreditarei em ti.

ROMEU 

Se o amor do meu coração...

JULIETA

Ah, não jures! Embora eu me alegre contigo,
não me alegro com este juramento esta noite.
É muito súbito, muito inconsequente, muito intempestivo,
como um relâmpago, que deixa de existir 
no momento em que dizemos "É um relâmpago". Amor, boa noite, 
este botão de amor, amadurecendo no calor do verão,
seja uma flor de rara beleza quando nos reencontremos.
Boa noite, boa noite. Que o doce repouso 
acalente seu coração como acalenta o meu peito. 

ROMEU

Ó, vais me deixar assim tão insatisfeito?

JULIETA

E que satisfação queres ter esta noite?

ROMEU

A troca do juramento de lealdade do teu amor pelo meu.

JULIETA 

Eu te dei o meu antes que me pedisses, 
e novamente te daria se precisasses. 

ROMEU

Tu o retirarias? E por quê, amor? 

JULIETA 

Mas para ser franca, e dá-lo novamente a ti. 
E desejo apenas o amor que sinto. 
Meu peito é fundo como o oceano,
Meu amor é profundo. Quanto mais te dou,
mais eu tenho para dar, pois ambos são infinitos.

[Ama chama de dentro do quarto.]


Ouço me chamarem. Querido amor, adeus. -

Já vou, boa ama! - Doce Montecchio, sê verdadeiro.
Fica um pouco mais; eu já volto. 

[Ela sai.] 


ROMEU

Ó abençoada, abençoada noite! Estou extasiado,
por ser ainda noite, tudo isto parece um sonho,
doce demais para ser verdade. 

[Volta Julieta acima.]


JULIETA

Mais três palavras, querido Romeu, e depois direi de vez boa noite.
Se teu amor for honrado,
e me propões casamento, manda-me dizer amanhã, 
por uma mensageira que enviarei até ti, 
onde e a que horas queres oficiar o rito, 
e toda a minha sorte a teus pés colocarei
e te seguirei, meu senhor, mundo afora. 

[Ama, de dentro.] Senhora!


JULIETA 

Eu já vou! - Mas se não for este o teu propósito, 
eu te imploro...

[Ama, de dentro.] Senhora!


JULIETA

Eu já estou indo! -
...cessa a tua busca e me deixa na minha tristeza.
Amanhã te enviarei. 

ROMEU

Minha alma anseia...

JULIETA 

Mil vezes boa noite.   

[Ela sai.]


ROMEU

Mil vezes pior desejar a tua luz.
O amor busca o amor como os alunos fogem de seus livros,
mas o amor se afasta do amor, como a escola escurece a vista.

[Afasta-se.]


Julieta entra novamente acima.


JULIETA

Ei, Romeu, oi! Ó, com a voz de um falcoeiro
eu chamo de volta este dócil pássaro! 
A escravidão é rouca e não consegue gritar,
senão eu arrebentaria a caverna onde Eco está
e faria sua língua etérea mais rouca do que a minha
de tanto repetir "Meu Romeu!"

ROMEU 

É minha alma que chama o meu nome. 
Como línguas sibilantes de prata dos amantes à noite,
como a música mais suave para ouvidos atentos. 

JULIETA

Romeu!

ROMEU 

Minha querida.

JULIETA

A que horas amanhã devo enviar minha mensageira? 

ROMEU

Às nove horas. 

JULIETA

Não falharei. Serão vinte anos até lá. 
Esqueci por que eu te chamei de volta. 

ROMEU

Deixe-me ficar aqui esperando até que lembres. 

JULIETA

Eu vou esquecer, para que continues esperando, 
lembrando como amo tua companhia. 

ROMEU

E eu ficarei, para que continues esquecida, 
esquecendo todos os lugares menos este. 

JULIETA

Está quase amanhecendo. Querias que partisses,
mas como um pássaro matreiro,
pularia um pouco além da mão, 
como um prisioneiro atado por grilhões,
e com um fio de seda puxa-o de volta,
invejando sua liberdade.

ROMEU 

Queria ser esse pássaro.

JULIETA

Meu amor, eu também. 
Mas eu te mataria de tanto carinho. 
Boa noite, boa noite. A despedida é uma tristeza tão meiga
que direi "Boa noite" até que amanheça. 

[Ela sai.]


ROMEU

Que o sono viva em teus olhos, a paz em teu peito. 
Que eu tivesse o sono e a paz tão doces para descansar.
Daqui irei até a cela do meu frade confessor, 
para pedir-lhe ajuda e contar-lhe sobre minha ventura. 

[Ele sai.]



Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta



3 comentários:

Pedro Paz disse...

Apesar de Shakespeare...
seus poemas são lindos !

Flavio Machado disse...

Oi Thereza que beleza sempre muito inspirado, muito inspirado e inspirador.

GCGoulart disse...

É comadre Thereza....

além de tino para o belo, há em você uma estrategista de primeira.


Um grande beijo.
Ass.: Gustavo