sábado, 14 de março de 2020

Celso de Alencar (1949- )

POEM FOR SONNY PERDUE
Celso de Alencar

I beg You, Lord,
Before expelling from your land
Those who look for shelter where
The deer still runs through the forest,
You, whose ancestors
Came from far away places;
I beg You, ask the children
Of the United States of America.
Ask the Apaches, the Creeks, the Navajos,
The Cherokees, the Sioux, the Comanches.
Ask the children
Of the African slaves,
And also, Lord, the children of the immigrants,
Those, who, like You, have built the Peach Land.
Allow all to reach the Mississippi,
All to bathe in the waters
Of the Altamaha or the Chattahoochee and more:
That all be tall as the pine trees.
Life is a fragile bird
And sometimes it is as old as a beaver.
My back is bare
As well as my soul.
To the right, my eyes behold the Brassmount,
To the left, the tombs in the cemeteries.
I beg You, Lord, don’t wipe off
The dreams of those who yearn for freedom.

in "Perverse Poems"
Translation: Thereza Christina Rocque da Motta

POEMA PARA SONNY PERDUE
Celso de Alencar

Eu Vos peço, Senhor,
antes de excluir de Vossa terra
aqueles que buscam abrigo onde
os veados ainda correm na floresta,
Vós que tendes como ancestrais
povos vindos de lugares longínquos;
consultai, eu Vos peço, os filhos
dos Estados Unidos da América.
Consultai os Apaches, os Creek, os Navajos,
os Cherokees, os Sioux, os Comanches.
Consultai ainda os filhos
dos escravos africanos,
e também, Senhor, os filhos dos emigrantes,
aqueles que como Vós construíram a Terra do Pêssego.
Permiti que todos alcancem o Mississipi,
que todos adentrem as águas
do Altamaha ou as do Chattahoochee e mais:
que todos possam ser altos como os pinheiros.
A vida é um pássaro frágil
e às vezes tem a idade de um castor.
Meu dorso está nu
assim como a minha alma.
À direita meus olhos veem o Brassmount,
à esquerda, os cemitérios deitados no chão.
Eu Vos peço, não eliminai, Senhor,
o sonho daqueles que a liberdade buscam.

in "Poemas Perversos"



sexta-feira, 13 de março de 2020

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Elegy 1938
Carlos Drummond de Andrade

You work unhappily for an obsolete world
Where the form and actions contain no examples.
You practice laboriously universal gestures,
You feel heat and cold, lack of money, hunger and sexual desire.

Heroes fill the city parks where you drag,
And profess virtue, resignation, cold blood, conception.
At night, if there’s fog, they open their brass umbrellas
Or retire to books of sinister libraries.

You love the night for the power of annihilation it contains
And you know that, sleeping, problems spare you from dying.
But the terrible awakening proves the existence of the Big Machine
And restores you, little one, before inscrutable palm trees.

You walk among the dead and you talk to them
About things of the future and concerns of the spirit.
Literature spoiled your best love hours.
At the telephone you lost too much time for seeding.

Proud at heart, you hurry to confess your failure
And defer the collective happiness to another century.
You accept rain, war, unemployment and unequal distribution
Because you can’t, all alone, dynamite the island of Manhattan.

Translation: Thereza Christina Rocque da Motta

Elegia 1938
Carlos Drummond de Andrade

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze,
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição,
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

in Sentimento do mundo (1940)